sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O Fator X dos Judeus.


Cinquenta anos de petróleo e de ilimitados recursos, dezenas de países e milhões de cidadãos, não foram suficientes para dar um só Premio Nobel ao mundo. Cinquenta anos de Israel, com escassa população e recursos limitados, deram (ao mundo) mais de uma dezena.


Calmos, todos quietos. Que não se assuste Maruja Torres nem toda a corte dos que martelam os hereges israelenses e que habitam nas esquinas do dogmatismo progressista. Este artigo não vai ao Oriente Médio, talvez porque o verão, apesar de suas sombrias notícias, resiste a abandonar as boas intenções. Ademais, a persistente lógica perversa da maldade terrorista cai por seu próprio peso, mais além das tentativas que alguns têm em demonizar tudo o que cheira a ocidental, e perdoar paternalmente o que se cozinha nas montanhas onde cavalgam os novos Almanzor1. Em todo este denso e complexo conflito, entre uma ideologia niilista totalitária, com vocação imperial, e o código ético-político da modernidade, há os que são tão anti-ocidentais, que acabam sendo antimodernos. E por modernidade entendo os valores históricos que se consolidaram num modelo de sociedade livre. Para dizê-lo com um símile da própria colheita que me parece simpático: há os que vêem um padre católico e lhes sai um eczema, mas se vêem um imã nas montanhas do Líbano, têm um orgasmo. Imagine-se a histeria se vêem um rabino...

Dizia que o artigo era de outra coisa. Na quinta-feira passada, nesse edifício mágico de Puig i Cadafalch que hoje abriga a Casa Ásia, vivemos uma estranha e feliz tarde de verão. O professor de ciências políticas Xavier Torrens e Jaime Huberman, porta-voz da comunidade judaica Bet Shalom da Catalunha, convidaram-nos a refletir sobre o "fator X dos judeus", talvez inspirados por esse estimulante programa musical que faz sucesso no Quatro. Que fator cultural, religioso, histórico, inclusive até genético poderia explicar as surpreendentes cifras que rodeiam os inumeráveis escritores, pensadores, diretores de cinema, músicos, criadores de todo tipo que surgiram do povo judeu? Que um grupo humano que representa menos de 0,2% da população mundial tenha dado à humanidade mais de 20% dos prêmios Nobel, entre eles alguns dos últimos, está fora de toda estatística e, certamente, de toda lógica. Chaves na literatura mundial, com alguns eventos no século XX que marcaram a fogo gerações inteiras — com Marcel Proust à frente —,
também foi a contribuição judaica a que assentou as bases do pensamento moderno. A anedota resume isso de forma magnífica: um dia, um judeu subiu a montanha e, ao retornar, assegurou: "Deus é a verdade, e a verdade está na lei". Chamava-se Moisés. Séculos depois, outro judeu asseverou: "A verdade é Deus, e Deus é amor". Chamava-se Jesus. Depois apareceu outro que, sem amor divino, declarou que a verdade era o dinheiro. Era um tal de Karl Marx. Depois chegou Freud e situou a verdade algo mais abaixo do bolso, na parte crucial entre as pernas. E, para fechar o círculo, apareceu o judeu Einstein e varreu tudo: "A verdade é relativa". Nada da filosofia, da matemática, da física, da medicina, da literatura, da música, nada relevante no terreno do pensamento, da ciência e da criação pode-se explicar sem a extraordinária contribuição do povo judeu. E sempre foram muito poucos. E sempre foram perseguidos como ratos.

Fator X? Lá estávamos, numa sala cheia, com gente pelos corredores e o chão servindo de cadeiras, tentando dar resposta a um enigma particular. O historiador Joan Culla analisou a contribuição política, Xavier Torrens se atreveu com a criatividade, Vicenç Villatoro com a literatura, eu apurei algumas idéias sobre a contribuição ao pensamento, o rabino Ariel Edery batalhou com a superação na adversidade e, com a ajuda de Jaime Huberman, que nos acolheu nesse espaço de liberdade e cultura que são as pessoas do Bet Shalom, saíram algumas idéias apresentáveis. Este é o aperitivo de uma reflexão coletiva apaixonante e, com certeza impossível. O fator não é genético. No povo judeu há de tudo, como em todas as farmácias, desde cérebros brilhantes a gente de limitada ambição mental, mesmo que a porcentagem de gênios esteja fora de toda curva estatística. O fator não é religioso, já que parece que os deuses só iluminam os caminhos quando alguém acende as velas. Tampouco parece ser um fator histórico, ainda que a carga pesada de sua difícil história tenha conformado um instinto sobrenatural de superação. Xavier Torrens falou do valor do estudo. Não em vão, os judeus foram durante séculos, o único povo de nossa cultura que era alfabetizado. Mas também estudam os fundamentalistas do Paquistão, de maneira que o fator diferencial não é estudar, porém o que se estuda... Pessoalmente, situei a questão na singular cultura libertária e antidogmática de um povo que inclusive discute com seu próprio Deus, povo do livro, vinculado à palavra e à reflexão. Foram eles que, há milhares de anos, escreveram um código de leis que ainda marca as pautas atuais da convivência. E foi o rabino Edery quem selou a reflexão. Talvez o fator X seja a vida judaica, o conjunto de valores que caracterizam suas complexas amarras culturais, nas quais, a veneração pela vida, a superação individual e o compromisso com a cultura têm sido seu fato diferencial durante séculos. Sem dúvida, não é insignificante o esforço econômico que Israel dedica à pesquisa científica e médica — num país que se vê obrigado a gastar 60% de seus recursos com a defesa —, mas isso só explicaria o fenômeno nas últimas décadas. Que fique este dado para contra-argumentar alguns ódios: 50 anos de petróleo e recursos ilimitados, dezenas de países e milhões de pessoas, não deram um só prêmio Nobel ao mundo. 50 anos de Israel, com escassa população e recursos limitados, deram mais de uma dezena.

Este arti
go não pretende responder ao enigma, mas me pareceu interessante traçá-lo, inspirada por aquela feliz tarde de verão. E nem tanto para animar a busca das respostas, como para recordar que quando falamos dos judeus, falamos da cultura, do pensamento, da ciência. Nenhum povo contribuiu tanto sendo tão pequeno. Entretanto, o principal não é o agradecimento. O principal é repetir, insistentemente as maldades do preconceito e do desprezo.




Pilar Rahola: El País. Madrid
Tradução: Szyja Lorber

terça-feira, 6 de outubro de 2009

5770! Vai Ser Um Ano Abençoado!

Kiriat Motzkin, Haifa, litoral norte de Israel.
Agora, 19:20 h.
Estamos no meio da semana de Hag HaSucot, ou Festa das Cabanas. Como a maioria das festas do Calendário Judaico, Sucot também é uma festa que originalmente tinha um carater agrícola. Ela, além de seu significada e simbolísmo religioso, marcava e marca o fim do verão e o início do outono.
Por isso, agora, nesse instantante, esta chovendo!
A seguir um vídeo que gravei agora da janela do meu apartamento:





E o que há de tão importante nisto.
Pra quem vive no Brasil, pelo menos na parte do Centro Sul, deve parecer estranho o que eu vou dizer, mas aqui em Israel não chove durante todo o verão. E isso não ocorre porque haja uma seca ou estiagem, mas é este o processo natural da região. Entre abril e setembro não cai uma única gota de chuva em todo o país. Porém quando chega o inverno isso muda, e durante os próximos quatro a cinco meses, pode chover e muito.
Toda a agricultura e sobrevivência do país dependem destas chuvas. O Mar da Galiléia (Yam Kinéret), o rio Jordão, os poços de água espalhados pelo país, dependem única e exclusivamente destas chuva, que este ano começaram a cair bem cedo!
Só pra se ter uma idéia da importância da chuva pra nós, ontém foi um dia especial para rezar pelas chuvas deste ano em várias sinagogas espalhadas pelo norte do país! Esse é um ritual que se repete todos os anos, porque sempre há o temor de uma seca ou estiagem muito forte, que seriam devastadores para a economia e qualidade de vida no país!
Se bem que o abastecimento de água potável, em parte é produzido pelas modernas e gigantescas uzinas desanilizadoras. Hoje, Israel possui a mais avançada tecnologia de desalinização no mundo. Porém essa é uma água cara, que não pode ser usada para regar jardins, lavar ruas ou para a irrigação agrícola.
Assim, cada ano que passa, continuamos dependentes das Bençãos Divinas, que segundo o Tanach (a Bíblia), D´s, Bendito Seja o Seu Santo e Grande Nome, transmite em forma de chuvas!
Na sequencia, uma música que é como uma oração para que venham boas chuvas no outono!



segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Um Árabe que Ama o Hebraico! Surpreendente!

Vou colar aqui uma entrevista que um Poeta e Erudito Druso Israelense Nayim Araidy deu ao Professor Moacir Amâncio, professor de Literatura e Língua Hebraica da USP.


Sobre o infinito e a
língua hebraica
O poeta e professor de literatura Naim Araidy é o mais conhecido escritor árabe de língua hebraica. Nascido dois anos depois da criação do Estado judeu, ele mergulhou, na infância, nas águas profundas do idioma bíblico, embora em sua casa só se falasse árabe. Moacir Amâncio entrevistou-o, em sua aldeia natal


O professor e poeta Naim Araidy vive uma situação nova para um árabe druso, cidadão isralense, nascido na aldeia de Maghar em 1950, portanto dois anos após a independência do país. Sua língua materna foi evidentemente o árabe, mas esse idioma não seria o primeiro modo de expressão intelectual e artística usado por ele, e sim o hebraico. Hoje, é um professor conhecido em Israel, onde tem um programa de televisão, escreve em jornais, publica livros e ensina Literatura Hebraica na Universidade de Haifa. Sua tese de doutoramento, na Universidade Bar Ilan, provocou polêmica: o tema foi o poeta Uri Tzvi Grinberg, que era repudiado pelos trabalhistas pois o julgavam de extrema direita, e a direita tendia a valorizar nele pontos ideológicos com os quais concordava. E sua poesia, de alta qualidade, ficava de lado. Araidy tem como preocupação central a literatura e a busca de sua qualidade acima de todas as outras coisas. Conheci-o em Israel, no começo de 2007. Araidy vive uma situação parecida com a de Franz Kafka, que era judeu tcheco e escreveu em alemão. Não só com a de Franz Kafka, mas com a de muitos outros autores judeus que, na Europa e outros continentes, optaram pela escrita em outro idioma, inclusive o hebraico, e não o local, ou materno. A diferença óbvia está no fato de que Araidy não é judeu, pertence à religião drusa, mas preferiu usar o hebraico em sua literatura. Há outros árabes que escrevem em hebraico, mas, segundo ele, só dois autores o escolheram como idioma de expressão artística integral. Ele e o tradutor, poeta e romancista Anton Schammas, radicado nos Estados Unidos e, ao que parece, distanciado do hebraico, que o consagrou como escritor em Israel, país com o qual tem sérias divergências políticas.

A existência literária de Araidy e Schammas (há outros autores árabes que usam o hebraico, como Sayed Kashua e Salman Masal'ha) não deve ser vista como uma aberração. Pelo contrário. Do mesmo modo que se dizia que Israel só seria um país normal quando tivesse seus próprios ladrões e prostitutas, pode-se dizer que o idioma hebraico só recuperaria a normalidade quando passasse a ser língua de expressão plena, utilitária e artística, também para cidadãos de outras etnias que fazem parte da população israelense. A propósito de uma possível utopia pós-moderna com ecos cabalísticos do tikun, veja-se o poema intitulado "Sobre a pergunta por que eu escrevo em hebraico", aqui traduzido, com mais duas peças de sua autoria. Observe-se que, caso o leitor nada saiba da biografia de Araidy, não terá idéia de que se trata de um não-judeu. O que ocorre é um raro encontro de humanidades: o outro é o mesmo - haverá sentido político mais elevado que isso?

Araidy também escreve em árabe, mas, como conta, isso veio depois do hebraico. Nesta entrevista, montada a partir de declarações fornecidas por Araidy por correio eletrônico, entre uma visita a Pequim e participação no festival de poesia de Edinburgo, ele fala sobre sua relação de amor incondicional com o hebraico e com poesia.

Revista 18 Conte-nos um pouco sobre o que motiva sua poesia...

Naim Araidy Para mim é muito difícil a pergunta "por que escrevo poesia", no geral. Talvez seja uma questão de ego muito grande. Eu me coloco no centro, e as coisas que escrevo ficam como uma herança coletiva. Desejo que isso se transforme num modo de expressão para todas as pessoas, a partir da esperança, talvez do anseio de que as pessoas se encontrem nela, na minha escrita. Eu sinto, de repente, que não estou sozinho; como que livre do isolamento, ou exorcizado - como numa unicidade com o outro quando eu sou o centro, o mensageiro. E, portanto, isso de novo me devolve ao ego.


O professor e poeta Naim Araidy vive uma situação nova para um árabe druso, cidadão isralense, nascido na aldeia de Maghar em 1950, portanto dois anos após a independência do país. Sua língua materna foi evidentemente o árabe, mas esse idioma não seria o primeiro modo de expressão intelectual e artística usado por ele, e sim o hebraico. Hoje, é um professor conhecido em Israel, onde tem um programa de televisão, escreve em jornais, publica livros e ensina Literatura Hebraica na Universidade de Haifa. Sua tese de doutoramento, na Universidade Bar Ilan, provocou polêmica: o tema foi o poeta Uri Tzvi Grinberg, que era repudiado pelos trabalhistas pois o julgavam de extrema direita, e a direita tendia a valorizar nele pontos ideológicos com os quais concordava. E sua poesia, de alta qualidade, ficava de lado. Araidy tem como preocupação central a literatura e a busca de sua qualidade acima de todas as outras coisas. Conheci-o em Israel, no começo de 2007. Araidy vive uma situação parecida com a de Franz Kafka, que era judeu tcheco e escreveu em alemão. Não só com a de Franz Kafka, mas com a de muitos outros autores judeus que, na Europa e outros continentes, optaram pela escrita em outro idioma, inclusive o hebraico, e não o local, ou materno. A diferença óbvia está no fato de que Araidy não é judeu, pertence à religião drusa, mas preferiu usar o hebraico em sua literatura. Há outros árabes que escrevem em hebraico, mas, segundo ele, só dois autores o escolheram como idioma de expressão artística integral. Ele e o tradutor, poeta e romancista Anton Schammas, radicado nos Estados Unidos e, ao que parece, distanciado do hebraico, que o consagrou como escritor em Israel, país com o qual tem sérias divergências políticas.

A existência literária de Araidy e Schammas (há outros autores árabes que usam o hebraico, como Sayed Kashua e Salman Masal'ha) não deve ser vista como uma aberração. Pelo contrário. Do mesmo modo que se dizia que Israel só seria um país normal quando tivesse seus próprios ladrões e prostitutas, pode-se dizer que o idioma hebraico só recuperaria a normalidade quando passasse a ser língua de expressão plena, utilitária e artística, também para cidadãos de outras etnias que fazem parte da população israelense. A propósito de uma possível utopia pós-moderna com ecos cabalísticos do tikun, veja-se o poema intitulado "Sobre a pergunta por que eu escrevo em hebraico", aqui traduzido, com mais duas peças de sua autoria. Observe-se que, caso o leitor nada saiba da biografia de Araidy, não terá idéia de que se trata de um não-judeu. O que ocorre é um raro encontro de humanidades: o outro é o mesmo - haverá sentido político mais elevado que isso?

Araidy também escreve em árabe, mas, como conta, isso veio depois do hebraico. Nesta entrevista, montada a partir de declarações fornecidas por Araidy por correio eletrônico, entre uma visita a Pequim e participação no festival de poesia de Edinburgo, ele fala sobre sua relação de amor incondicional com o hebraico e com poesia.

Revista 18 Conte-nos um pouco sobre o que motiva sua poesia...

Naim Araidy Para mim é muito difícil a pergunta "por que escrevo poesia", no geral. Talvez seja uma questão de ego muito grande. Eu me coloco no centro, e as coisas que escrevo ficam como uma herança coletiva. Desejo que isso se transforme num modo de expressão para todas as pessoas, a partir da esperança, talvez do anseio de que as pessoas se encontrem nela, na minha escrita. Eu sinto, de repente, que não estou sozinho; como que livre do isolamento, ou exorcizado - como numa unicidade com o outro quando eu sou o centro, o mensageiro. E, portanto, isso de novo me devolve ao ego.

18 Quais são os temas principais de sua poesia?

NA Sobre o que eu escrevo? Escrevo sobre mim mesmo, sobre você, sobre todos nós, eu escrevo sobre coisas que não tenho outro modo de expressar; que estão fundo em mim. Sobre as coisas que mais me atemorizam; sobre os assuntos considerados irregulares, porque a norma os repele. Como um grito, pois tenho medo da morte e das doenças, da solidão e do sofrimento, da ausência do amor. Escrevo sobre assuntos que causam vergonha, porque estão fora do que é aceito, os valores e os comportamentos - como sobre minha vontade e minha capacidade de amar todo dia outra mulher; também nesta época em que passei da idade permitida, que me leva a fermentar tantas possibilidades. E eu escrevo sobre a beleza dolorosa que é ser um homem, no sentido amplo da palavra. Sobre o que é mais humano, sobre minhas fraquezas que são o medo, a solidão, o ciúme, o sofrimento e sobre a falta de piedade no mundo.

18 O que, em sua opinião, é uma característica própria da poesia?

NA A poesia é o modo de expressão para o humano que há em nós, e ela faz da dor humana algo belo, estético, para que possamos vivê-la de novo, numa forma renovada, aceita e bonita. A poesia é arte como a música, como o desenho e como a escultura. Mas uma arte mais tocante,dona de uma força sem igual. Ela não lida com as cores puras, com o som puro ou com a modelagem de material. O meio de expressão dela são as palavras, esta língua não é um meio técnico, por mais que seja belo e especial. A língua é um presente para o que está contido em toda a história humana, tanto a material quanto a espiritual, e ela inclui o mito, a religião e a filosofia, e, em função de sua própria essência, a poesia utiliza-se da língua e do que existe nela e do que é possível introduzir nela. Ela toca a língua, acaricia e cria com ela relações mais íntimas, e também sabe às vezes explorá-la, e ela precisa disso.

18 Parece que uma só língua não foi suficiente para o senhor...

NA A mim foi dado um privilégio que muitos não receberam. Escrever em dois idiomas, hebraico e árabe, sim, nessa ordem. Comecei com o hebraico e só depois com o árabe. No início, por causa de pressão; depois, por causa de amor e dedicação.

18 Não causa espanto o fato de alguém que tem uma língua tão difundida quanto o árabe optar por outra, tão reduzida em número de falantes?

NA O que fazer se eu sou árabe, druso e nasci no Estado de Israel, e tenho um pai que queria que seus filhos "fossem cultos como os judeus"? Ele me mandou para escolas judaicas. E eu assenti como quem é chamado à Torá. Como seria possível o contrário, com a vontade inamovível do pai árabe, druso, típico oriental, conforme a sociedade patriarcalista?

18 E como foi a sua iniciação na língua hebraica?

NA Nos primeiros dias de meus estudos na escola judaica, a senhora Steiner, a professora de Literatura Hebraica, me disse: "Escute menino! Com um hebraico assim você não pode agüentar a escola!" E a senhora Steiner não sabia em que estado de pânico me deixou. Acaso era possível voltar àquele pai e dizer a ele que eu não podia estudar lá? Aquele mesmo pai que enviara seu filho a fim de se instruir e voltar como médico para a aldeia? Quem sabe, talvez se satisfizesse também com um advogado, mas abaixo disso não havia o que dizer. Não podia voltar. Eu precisava enfrentar o medo tanto na expectativa da senhora Steiner quanto na de meu pai. A propósito, estranho que metade da nossa vida nós nos esforçamos para responder às expectativas dos pais, e a segunda metade nos esforçamos para responder às expectativas de nossos filhos. De um lado, é claro que não temos tempo para nós mesmos, e de outro lado, não nos livramos do temor diante da possibilidade de não sairmos nem daqui nem dali. Estranho quanto nós não pensamos sobre isso - e este ainda é assunto para poesia. E no final das contas, não estudei Medicina e de advocacia eu não gostava de jeito nenhum. No entanto, me transformei em professor de Literatura Hebraica e em criador na língua hebraica, com recepção bastante honrosa, mas não sem provo­cações tanto de um lado como do outro.

18 Poderia dar um exemplo de provocação?

NA Um dia, quando estudava na Universidade Bar Ilan, fiquei surpreso ao ouvir, justamente de um dos professores mais respeitados, que não acreditava que um criador pudesse escrever em língua que não a língua-mãe. A coisa me doeu, e então perguntei de modo desafiador o que dizer sobre os poetas judeus que escreveram em árabe na época pré-islâmica e na Idade Média, e que são considerados poetas bilíngües? E o que dizer sobre Ionesco, o romeno que é considerado um grande escritor francês? E o que dizer de Taher ben Jelloun, e o que dizer do escritor gigantesco que era judeu de origem tcheca que escreveu em alemão, que é Franz Kafka? O que dizer dos maiores da nova poesia hebraica cuja língua-mãe não era o hebraico?! E a lista não é curta. A mim foi dado o privilégio de escrever na língua sagrada, a língua do primeiro monoteísmo, que fundou o novo humanismo há cerca de cinco mil anos. Uma vez, visitou-me em casa um escritor quirguiz conhecido, que escreve em russo, Chingiz Aitmatov, e ele me perguntou como eu me sentia como um poeta árabe que escreve em hebraico. Respondi a ele de forma muito sofisticada: eu disse, "quando escrevo um poema de amor em hebraico, me sinto como o rei Salomão, e quando escrevo um poema de lamento, me sinto como o Rei David". E o sr. Aitmatov fez que sim com a cabeça, como se invejasse tudo o que eu podia escrever na língua sagrada.

18 Como o senhor vê o hebraico atual?

NA O novo hebraico é a continuação direta do hebraico bíblico. O idioma possui uma carga mitológica, social e espiritual e também estética que não é igual à de nenhuma outra língua. Essa língua sagrada, em outra de suas dimensões, confere àqueles que escrevem nela uma tradição completa de humanidade, protesto e perguntas, por mais duras que sejam, que são o dicionário de todo poeta verdadeiro. A humanidade que modelou nosso caráter humano começou com o profeta "pesado de boca" que tartamudeava (NR: Moisés, que era gago); veio com o rei que se apaixona e envia o marido de sua amada para ser morto a fim de ficar com a viúva. A mentira bem-intencionada do maior dos patriarcas. A história da Akedá, do sacrifício de Isaac, a esterilidade, as mulheres ciumentas e o que não? É realmente um privilégio escrever em hebraico.

18 E a escrita em árabe?

NA Falarei de modo resumido sobre a escrita em árabe. Apesar da riqueza dessa língua e da sua beleza e maleabilidade, há nela um grande problema, que é o conservadorismo que se apoiou na tese central do profeta do Islã, Mohammed. O profeta partiu contra a escrita de poesia porque a poesia se defronta com a alma humana e os problemas humanos, pois é ofício da religião ocupar-se deles. Ele argumentou que para cada poeta há um satã que lhe domina a escrita e isso é na essência uma heresia. Desde então houve um desvio na poesia árabe e esta dirigiu sua criatividade para a técnica verbal. Uma longa tradição e o conservadorismo como esse que se enraizou na consciência do público árabe tendem a repudiar qualquer mudança que tenha força para devolver a poesia à criatividade e ao enfrentamento com nossa humanidade. Contudo, ergueu-se um movimento muito importante, moderno e pós-moderno, que não renuncia à criatividade, apesar da oposição a isso. Eu me alinho com esse movimento.

Moacir Amâncio, professor de Língua e Literatura Hebraica da USP, é autor de Contar a Romã e Óbvio (poemas)

Escrever em hebraico e escrever hebraico

Escrever em hebraico significa utilizar o idioma em função dos meios de comunicação, somente. Quer dizer, aproveitar-se da língua técnica para determinadas necessidades. Seja para necessidades cotidianas, no supermercado, no escritório, no jornal, ou mesmo para a necessidade de expressar idéias e posições na imprensa, nos periódicos e também livros, como fazemos em Israel também os cidadãos árabes. Estes últimos cresceram no uso da língua hebraica quando parte deles tentou traduzir a história de suas vidas para a prosa, ou até traduzir suas emoções para poesias em hebraico, como toda tradução para outro idioma.

Mas escrever hebraico é outra coisa; poucos fazem isso entre os judeus, e há só dois casos entre os não-judeus. Um é Anton Schammas, que sumiu da arena e interrompeu sua escrita hebraica, por motivos políticos, porém sobretudo por motivos religiosos cristãos, ao lidar com uma temática cristã: extirpar o judaísmo da língua hebraica. O segundo sou eu.

Parece-me que a escrita hebraica não tem comparação com outras línguas tendo em vista sua origem tríplice, de povo, religião e idioma, conjuntamente. A língua carrega a etnia, a religião e a pátria, ainda quando esta última esteja ausente. Em determinadas épocas, ela continuou presente na língua. E com a inovação do estabelecimento do Estado de Israel e o fato de o idioma hebraico ter se tornado uma língua falada, não se extirparam dela aquelas três bases. A laicização da língua hebraica conferiu a ela uma dimensão midiática, mas não extirpou o judaísmo dela, sua judaicidade e sua identidade israelense.

A língua hebraica se engrandeceu, já nos primórdios de seu nascimento, quando criou o mundo e seu conteúdo, e o ordenou de acordo com critérios e princípios éticos dela. Ela criou mitos e os transformou em realidade. Chegou ao auge de sua força no Monte Sinai, lá se misturou à coluna de fogo que guarda sua brasa, como a sarça ardente que não é consumida, e quem olhar é ferido de morte, pois não O verá homem e viverá. Isso não existe em nenhuma outra língua.

E nessa língua está escrito o lamento mais belo da história da humanidade; está escrita a poesia de amor mais bonita da cultura humana, e Salomão esplendeu ao falar em seus provérbios até chegar ao auge dos auges, no Kohelet ben David (Eclesiastes).

Nada há de novo sob o sol, não poderá escrever hebraico quem não experimentou a dimensão do Monte Sinai, e quem não se identifica com a língua na sua condição triádica. Escrevem hebraico somente aqueles que se sentem interior e exteriormente dentro da profundeza dessa cultura, só quem é capaz de amá-la e de se sentir membro da casa dentro dela. Deve-se lembrar e distinguir, mil vezes, que é preciso fazer uma clara distinção entre quem escreve hebraico e quem escreve em hebraico.

Naim Araidy

Poemas

Tornei-me um homem mais equilibrado
Tornei-me um homem mais equilibrado
no passar dos quarenta em minha vida
eu digo
tornei-me um homem equilibrado.


Estranho
mais não poderei dizer:
talvez juntemos todas as pedras jogadas
nos montes de Jerusalém
para construir uma cidade outra
e não nos montes de Jerusalém.

Eu sou José
Eu sou José o sonhador
e a mulher de Potifar é só lenda
enfureci meus irmãos como é preciso
só em sonho
e não no dia-a-dia como se conta
amei a mulher de Potifar até o céu.
E sobrei
dentro do sonho.

Sobre a pergunta por que eu escrevo em hebraico
Para criar o mundo novamente
e as coisas sejam outras, veramente
outras, e ver que isso é bom.
E dar o mundo ao homem na bandeja
de ouro ou prata e fazer o mais que seja
preciso para trazer o bom e o melhor
a fim de que não comam os pais do verde, mas
do maduro. E anular, quanto possível for,
quem diz ser impossível dar a Deus
o que é de Deus e dar toda a mulher ao César.

E para escrever poemas sobre poesia não escrita
e elegias não sobre a morte, mas sobre o desperdício
da nova criação e não criar
o macho antes, primeira sempre a mulher.

Tradução de Moacir Amâncio

sábado, 3 de outubro de 2009

Festa das Cabanas! A Festa dos Paradoxos!

Hoje começou a festa de Sucot, que significa "Cabanas". Aqui em Israel é uma das festas mais animadas, de um clima muito festivo. Por ser a festa que marca o início do outono e do período das chuvas, todos sentem um clima de esperança, de otimismo, já que as chuvas aqui são impresindíveis e já que somente chove entre setembro e março, e depois disto não cai uma única gota sequer.
Basicamente a festa se resume em construir uma cabana ( e o País se reveste delas por todas as partes), e fazer algumas refeições no seu interior. A idéia é lembra o período que nosso Povo peregrinou durante 4o anos no deserto antes de se fixar em Israel. Dentro da Sucá, se realiza refeições festivas, onde são abençoados vários produtos típicos desta época. No Beit Haknésset (Sinagoga), se realizam agumas serimonias especias (que não vou detalhar aqui), mas a mais significativa é a do Lulav, que é um conjunto de quatro espécies especiais da Terra de Israel, e que devem ser usadas, e "movidas" (agitadas) durante um certo período do Shaharit (reza matutina).






Pelo vídeo dá para se ter uma idéia do clima de festividade! Porém existe algo que parece não combinar bem com toda essa alforia. É sabido que durante a reza nos dias de festa, se lêem trechos especiais do Tanach (Bíblia Judaica que compreende o chamado "Antigo Testamente"). Geralmente o texto combina muito bem com o clima da festa. Por exemplo, em Yom Kippur (Dia do Perdão) lê-se (além de outras leituras da Torá, o livro do Profeta Yoná (Jonas). Porquê?
A resposta é simples. Yom Kippur fala de arrependimento e perdão. O livro do Profeta Yoná conta a históira do Povo de Nínive, que se arrependeu e foi perdoado por D´s!
Porém em Sucót, que é uma festa de alegria, foi escolhida pelos Rachamim para leitura, o livro de Kochélet (Eclesiastes)! O "estranho" é que o livro de Kohelete é um dos livros do Tanach que mais apresente uma visão pessimista da vida.

"Vaidade de vaidades! diz o pregador, vaidade de vaidades, tudo é vaidade." Ecles. 1:2

Salomão, que na juventude havia escrito "Cantares", um hino a beleza, ao amor e ao sexo; que na madurez escreve um livro de "Provérbios", crendo ter as diretrizes para uma vida de exito, mas chega na velhice e acredita que tudo foi em vão!

Vídeo com a leitura da Meguilát Kohélet (Livro de Eclesiastes) em hebraico.




Onde podemos encontrar o equílibrio para entendermos o paradoxo da alegria da festa de Sucot, com a Meguiláh escolhidas pelos nossos mestres, para ser lida na reza?

Por coincidência, acho que tive a resposta na prática, hoje, no primeiro dia da Festa de Sucot.
Um amigo meu me telefonou durante a semana e me convidou pra sair com ele e a esposa e um grupo de amigos pra comemorar o aniversário dele. O local escolhido, um Pub.
Eu tinha motivos para não ir, mas por ele decidi ir.
Chegamos lá, música muito alta, garotas muito pobres ( pobrezinhas, não tem dinheiro pra compra roupa! quase nuas, tadinhas!), cigarro normais e outros meios suspeitos, e alcool, muito alcool. Vodka, wisk, cerveja, run, arak, e a mistura delas todas!
O problema é que eu não posso tomar nem uma gota de alcool. Estou recebendo uma medicação que não pode em hipótese alguma ser misturada com alcool. Se tomo algo alcoolico, corro o grave risco de perder o fígado. Fumar eu não fumo. As garotas que nos acompanhavam, ou eram casadas ou feias demais pra serem encaradas sem um pouco de "bardal" no sangue. Resultado, foi horrível. Estar alí, no meio daquela baderna sem uma gota de alcool no sangue, ma fazia sentir como se eu estivesse num manicômio! Todo mundo prá lá de bagdá e eu com cara de freira em festa de aniversário de sobrinho adolescente. Tinha uma mina lá que "adorava brasileiro". Ela morre por "conhecer" (sentido bíblico da palavra!) um brasileiro bem de perto, mas bem de pertinho mesmo! O problema é que o oposto não passava nem perto. Talvez depois de umas três horas enchendo a cara, e por amor a pátria e com a ajuda de um travesseiro(já que aqui não tenho bandeira do Brasil), desse para encarar, mas limpinho como eu tava, sem chance!
Resultado. Pedí desculpas pro meu amigo. Paguei minha conta (duas Pepsi's) e puxei o carro.
Onde quero chegar? Que assim como diz Shlomô HaMelech, "tudo não passa de uma grande vaidade". Até a diversão é uma ilusão. Pra se divertir, (pelo menos nesse contexto que eu estava), um tem que se "aditivar", senão não tem graça.
Parece que a intenção dos Rachamim (Sábios) não era ir contra a alegria (ao determinar a leitura do livro de Eclesiastes), mas sim fazer lembrar que a vida é como uma colcha de retalhos, e que nada deve ser levado ao extremo. Alegrar-se sim, afinal começam as chuva, a colheita, as frutas do outono, a Terra renasce, os rios brotam. Eretz Israel (Terra de Israel) engravida, e se prepara para dar a luz na Primavera ( como o Pessach - Páscua). Alegremo-nos! Porém!!! não nos esqueçamos. Alegria é só um lado da vida. Existem muitos outros que também devem ser cultivados, para se alcançar uma vida equilibrada e não nos arrependermos mais tarde, como se arrependeu o velho Shlomo HaMelech (Salomão).

Chag Sameach a Todos.





P.S.; O vídeo acima contém a música "Shlomit boná Suca" (Shlomit constrói uma cabana), que é a música símbolo da Festa de Sucot!

Rí Muito!

Na verdade, estava intencionando escrever sobre uma outra coisa, mas no caminho até acessar o Blogger, passei pelo site do Estadão, e na coluna "Os Hermanos", encontrei uma pérola! É um comercial Argentino, que faz sátira com eles mesmos tentando falar português. Rachei o bico, porque aqui em Israel eu sou uma ilha lusófona cercada de hispanoparlantes por todos os lados. Mas de vez em quando eles tentam soltar uma ou outra palavrinha em português. O Resultado, idêntico a este, vejam, vale a pena!

Muito bom, não é mesmo! Parabéns aos Hermanos pela criatividade e bom humor.