segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Parashat Shavua - Trumáh. "O Ato de Doar".

Muita gente acha que o ato de doar não passa de uma falta de inteligência por parte de quem doa e de esperteza ou aproveitamento de quem recebe.
Quando estava no Brasil, ví muita gente dizendo que não fazia doações porque acreditava que "TODOS" os supostos necessitados não passavam de vagabundos. E afinal de contas, o próprio governo pedia que não ajudassem os mendingos e pedintes, já que essa ajuda poderia ser usada para alimentar o crime, o vício e outros atos ilícitos.
Não é segredo que sou judeu somente por parte de mãe. A família de meu pai  é cristã ( uns mais, outros menos) e minha avó, católica. Apesar das discordâncias "num nível filosófico-religioso", aprendi a ver com olhos livres de preconceito, muita coisa boa sendo feito por eles, e se há uma coisa que eles (os católicos) fazem bem é a caridade.
Me recordo que uma vez, por causa de meu trabalho (vendas) conheci um padre, da Paróquia da Senhora do Carmo, na Zona Sul de São Paulo. Era espanhol, e só me lembro que tinha o sobrenome Sardinha. Bem, conversamos sobre várias coisas, principalmente sobre nossas diferenças, mas acabamos falando sobre nossas similaridades, como a caridade. Caridade incondicional e completamente desinteressada!
É interessante que os evangélicos costumam usar a caridade como uma "armadilha" para capturar almas. Que feio! Já nós judeus, como perdemos o hábito do proselitismo a mais de dois mil anos, aprendemos com o tempo a fazer caridade de maneira a não esperar objetivos dela, ou seja, ajudamos porque as pessoas precisam, e não porque queremos algo delas. Ou talvez queramos sim, que elas se sintam bem e tenham um pouco de tranquilidade em suas lutas e tribulações, porém não mais do que isso. Os católicos fazem um trabalho parecido, e principalmente os franciscanos. Debaixo de votos de pobreza, abandonam o mundo e tudo o que ele pode oferecer, para dedicarem-se aos mais necessitados. Como sei disso. O Padre Sardinha me convidou a conhecer um núcleo (um pequeno convento de franciscanos pobres e caritativos) na região do Peri-Peri, próximo de Pinheiros. O que eles fazem? Recolhem pessoas nas ruas. Pessoas desabrigadas, enfermas do corpo e da alma, abandonados, regeitados, famintos. Levam eles para o convento (que nada mais é do que uma casa enorme) e lhes dão banho, roupas limpas, alimentação e algo que me impressionou bastante, CARINHO, muito afeto!
Uma história me chamou a atenção. Um senhor que era doente mental, e por isso ele foi "jogado" na rua pela família. Isso mesmo. Apesar de sua doença, esse senhor sabia onde era sua casa, e conhecia a sua família, mas eles não o queriam mais. Porém esse senhor não foi doente toda a vida. Antes da velhice e de adoecer, era uma pessoa normativa, trabalhava e bastante atuante na sua comunidade. Casou, teve filhos,  os criou e lhes deu educação. Agora o mais interessante. Qual era a sua profissão? Pastor evangélico. Isso mesmo. Apesar de serem cristão professantes, não exitaram em "jogar"o próprio pai "doente e idoso" na rua! Esse senhor somente não morreu de frio e de fome como indigente nas ruas da Zona Sul de São Paulo, graças aos frades franciscanos que o encontraram quase morto durante uma ronda noturna numa das noites mais frias daquele ano (2001/2002?).
Agora quem mantém o trabalho dos franciscanos? Ninguém! Nem mesmo a comida do dia é programada. Tudo depende da doação espontânea dos paroquianos, homens de negócios da região e pessoas que se sensibilizam com o trabalho deles.
Eles, os frades, me convidaram para comer com eles. Naqueles dias eu não era tão rigoroso com a kashrut, e apesar de não comer alimentos proibidos, não era tão correto com outras normas de preparo, e etc. Por isso aceitei como um gesto de boa vontade e de admiração pelo trabalho. Só que havia uma questão. Primeiro eles alimentavam os necessitados. Os frades e visitantes somente comeriam se "sobrasse"! Se não, não! Por fim, insisti que a minha parte fosse dada a um frade que iria ficar sem comer para que eu pudesse ser "honrado"! Lhe convenci de que eu não necessitava e que ao chegar em minha casa, graças ao Eterno, tinha muita comida (acho que mais do que precisava) me esperando.
O que eu quero dizer com tudo isso? que os católicos são bonzinhos? Nada disso, apesar de que estes que conheci realmente o eram. Quero somente mostrar que existe sim uma outra realidade neste mundo duro e cruel. Neste mundo selvagem que somente sabe louvar a beleza, a riqueza, a força e o orgulho.
Para concluir, uma história hassídica.
Contam que no passado, numa pequena vila do leste europeu, durante um terrível inverno, o Rabino da cidade fazia o papel de colector de doações para poder comprar lenha para os mais pobres, pois naquelas épocas, se alguém dormisse sem um fogo pra se acalentar, morria de frio. O Rabino chega numa casa de um rico comerciante, bate na porta e o empregado vem atender-lhe. Quando vê que se trata do rabino, ele imediatamente o convida pra entrar, porém o rabino não aceita e pede pra falar com o patrão. O empregado vai chamar seu senhor, e este ao se interar de que o Rabino lhe aguardava do lado de fora, enterrado na neve e no vento frio da noite, apressa-se a colocar seu sobretudo e ir ao encontro do velho mestre.
"Rabino, que bom vê-lo por aqui! Venha, entre um pouco e me diga o que deseja!..."
"Bem, você sabe que eu, na qualidade de Rabino da cidade sou o responsável pela coleta de doações para a compra de lenha para os mais pobres e necessitados. E por isso..."
O rico senhor lhe interrompre:
" Sim Rabino!... eu sei... (batendo os dentes de frio), por acaso não sou um dos seus fiéis doadores... porém vamos entrar pra falar sobre isso... não há sentido em falarmos disso aqui fora, nesse frio de matar...!
O Rabino então completa:
" Ahhhhh!.... é esse mesmo o meu objetivo. Meu caro senhor. Sou muito grato a ti e ao Eterno pelas generosas doações que o senhor tem realizado. Mas faltava algo..."
"Falta algo!!!"  o rico começando a se irritar... "Então me diga o quanto mais tenho que doar que eu doarei... mas vamos sair deste frio..."
"Não é de dinheiro que eu estava falando, meu senhor... mas era exatamente deste frio que o incomoda. Eu queria ter certeza de que o senhor soubesse de como essas pessoas que necessitam de seu dinheiro se sentem todas as noites.!!!"


BeKitsur (em resumo) a moral é a seguinte: Não é suficiente doar um valor como caridade, mas sim e também SENTIR o que o outro sente e assim compreender sua dor e seu sofrimento.

Que o Eterno e Único D´s nos abençõe a todos! e lembrem-se:

"Ninguém é tão pobre que não tenha o que doar (um sorriso talvez) e ninguém é tão rico que não necessite de algo (um sorriso talvez!)".

A história hassídica é uma versão e tradução (minha) livre baseada na "Parashat Shavua" do rabino Naftali Reich, do Torah.org ( em ingrêis).

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