domingo, 27 de junho de 2010

Prego Na Bota.

Uma das coisas que sempre me caracterisou é o sentimento de não pertencer a lugar nenhum.
Quando estava lá, sentia que devia vir pra cá.
Hoje que estou acá, sinto falta de lá.
Mas não é difícil de explicar isso. Apesar de sempre ter sonhado em vir prá cá, pra terra de meus ancestrais, ainda não finquei raízes profundas por estas paradas. E bem mais do que imaginava, as raízes já eram bem profundas lá na Terra do Eldorado. Não era pra menos, depois de um pouco mais de cem anos que os Hätchuel (Rochuel) chegaram no Novo Mundo, ainda dava pra dizer que éramos judeus sim, mas de "pêlo duro"!
E tem dias que essa saudade aperta bem mais. É mais aguda e incomoda mais.
Aí se não bastasse, lembro da china que laçou meu coração e quase me joga de cima do potro.
Depois de uns bons meses cercando a china, me lembro que peguei um busão, um Cometão de "prata" e fui baixando pro sul, passando pelas araucárias esticadas no chapadão da serra, até chegar na velha Curitiba.
Sonhava recomeçar por lá a vida, terminar a faculdade, arrumar um emprego e dar aulas, e alugar aquela casinha amarela lá no alto do morro.

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Casinha de estilo colonial, típica do sul. Toda cercada com pátio todo de grama verdinha e aparada. A casinha era toda cercada de varanda, pedindo pra pendurarem uma rede preguiçosa. No fundo havia um puxado com churrasqueira e fogão á lenha, pra fazer umas costelas na brasa com arroz carreteiro pros amigos no fim de semana.
Mas a "nega" não quis e então nada mais me segurava na terra do "Tudo se plantando dá". Desiludido por ter sido regeitado pela guria que mais tinha amado na minha vida, subi naquele avião no dia 02 de maio de 2006, primeiro rumo aos reinos de Espanha, o mesmo lugar de que minha família tinha sido expulsa a quinhentos anos antes. Antes de chegar a Terra Prometida, tinha que passar pela velha Madri. Era como fazer exatamente o caminho de volta, o caminho que centenas de gerações anteriores a mim fizeram no sentido contrário, expulsos primeiro pelos romanos, depois pelos reis católicos, até chegarem ao Eldorado, sonhando com uma vida livre de perseguições, conversões forçadas, ódio gratuito.
Nessa viagem de volta eu trazia bem mais do que duas malas grandes e duas bolsas de colo pequenas. Trazia todo o sangue, toda a herança genética, um pouquinho de cada um dos centenas, senão milhares de judeus, homens, mulheres, crianças, velhos, que viveram antes de mim nessa longa corrente que um dia começou aqui, onde estou hoje, e foi terminar lá no centro-sul do velho Brasil.
Estou feliz de estar aqui. Mas sinto saudades da minha guria. E quando ouço a música do César Oliveira e Rogério Melo, me dou conta que saudade nada mais é do que "Prego na Bota"!




Prego Na Bota

Faz dias que esta saudade
"Me cutuca" e me incomoda
Pior que prego na bota
Quando empeça a castigar
Que troço mais sem sentido
É um amor mal resolvido
Só um retrato envelhecido
Ficou pra me consolar

Já mandei muito recado
E até aviso pela rádio
E um bilhete emocionado
Na Kombi que faz a linha
E a cretina não responde
Nem pra me mandar bem longe
Parece até que se esconde
Covarde, maula e mesquinha

Refrão:
Ai, ai, ai, ai... Saudade!
Ai...Prego na bota
Onde é que já se viu
Um taura cento porcento
"Se entregá" pra um sentimento
Chorando por quem não volta

É que um romance aporreado
Aniquila e prejudica
E "ademais" ninguém explica
A angústia de um pobre peão
Que sofre de alma estropiada
Por uma china malvada
Que foi sem dizer nada
Levando meu coração

Pelo menos dá um sinal
Nem que seja de fumaça
Que aquilo não tem mais graça
E tu não "tá" arrependida
"Me poupa" desse desgaste
Devolve todos os meus trastes
E o coração que roubaste
Que eu corro risco de vida.

Um comentário:

  1. Fascinante! Me lembrou meu último post, "Pedaços de mim", onde coloquei a foto da casa em que morei dos 14 aos 25 anos... Dá uma olhada lá, se quiser. Abraço!

    http://omilagredasletras.blogspot.com/2010/06/pedacos-de-mim.html

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