terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Saudades, saudades, saudades...

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Depois de levantar cedo e correr pra reza antes do amanhecer, voltei pra casa, pelo curto caminho que separa a Beit Knesset do apto onde moro. Hoje não faz frio. Na verdade esta até agradável. Mas mesmo assim havia em mim uma sensação estranha. Não era frio, nem nada que me parecesse conhecido... somente uma sensação...
Cheguei em casa e fui preparar o desjejum, depois de dar comida pros gatos. O judaísmo diz, "primeiros os animais, depois você!" É interessante como eles, mesmo sem relógio, sabem que eu estou chegando com a comida. Quando me dirijo a janela da sacada, lá estão eles, já me esperando... são os meus filhos... hehehehe...
Liguei o PC e pensei, vou ouvir música enquanto faço o desjejum.
Entrei no YouTube e pensei em qual das minhas playlists eu iria ouvir. Difícil escolher, porque além de libriano tenho um gosto tão eclético que abrange desde música folk japonesa, zen, até as baladas de viola que eu ouvia no "Viola Minha Viola" da rede Cultura nos domingos pela manhã!
De repente meus olhos passam pela "Gauchescas", e então resolvo ouvir um pouco da poesia lá do Sul.
Pra quê? Eita saudade que bateu no peito e quase me afogou na amargura de tudo que deixei pra trás.
Não que eu não ame e não esteja satisfeito de tudo que tenho e encontrei aqui. Estou aqui por que escolhi e estar aqui em Israel é parte da realização de um sonho que ainda tem um longo caminho pela frente.
Aqui é minha casa. Este hoje é o meu país, assim como já era no meu coração quando eu vivía em São Paulo, Curitiba, Rio ou Caxias, na Serra. Porém não posso ser ingrato com a Terra que com seios tão fartos me acolheu desde minha infância até minha partida. Além de que o campo, as matas, as vacarias, o cheiro do fogão a lenha, da carne assada no braseiro,  da erva quente e amarga nas manhãs frias e úmidas cobertas pelas cerração, das verduras colhidas alí, ao lado da casa, do milho verde, do vinho nas festas, da família inteira reunida no rancho da "Véia e do Véio", das partidas de carteado até bem tarde da noite (talvez nove e meia da noite!), regadas com histórias antigas de mortos e vivos que insistem em assombrar minhas lembranças, tudo iluminado com luz de lampião e lamparina, pois lá na fazenda ainda não havia chegado luz elétrica nos finais dos anos setenta.
Os cachorros deitados na soleira da porta, o ruído da galinhada e dos patos e marrecos que parecem que não dormem nunca. O grito perdido de alguma alma, viva ou penada na imensidão do sertão afora, que vinha ecoando pelas lombeira da serra ou o latido de uma matilha de cães que talvez tenha se debatido com alguma jaguatirica ou um cateto bravo...
Saudades,  de lá do quarto, ainda bem cedo, (quatro e meia ou cinco da manhã), ouvir o belém, belém da colher no bule do café, minha velha avó preparando o desjejum pro meu velho avô, antes dele e meus tios saírem para a lida da terra. Graças a D´s, Terra deles, que frutificava em uma abundância tão generosa, tão exagerada que era difícil não se emocionar ao ver as colheitas, o arroz dourado, já maduro, cantando na passagem do vento, como se acenando pra quem vinha admirá-lo. O cheiro forte do milharal, com seus pés gigantes (pelo menos era para mim nos meus três ou quatro anos!). A cana que de tão gorda, rachava e estourava no calor do sol, com estalos molhados e açucarados. As laranjeiras, os limoeiros, as bergamoteiras que de tão carregadas que chegavam a quebrar os galhos mais finos.
Lembro de uma árvore especial, uma espécie de Laranja Grande, que devia ter uns 50, 60 anos ou mais. Era enorme, gigantesca, nada que pudesse lembrar uma laranjeira. Sua imponência e majestade lembravam uma rainha, uma deusa minimalista das lendas indíginas da Mata-Atlântica. Suas laranjas eram gigantes e seus galhos eram tão altos que somente os Sábiás, os Majestosos Sabiás, tinham o direito de saborear de seus frutos.
Como esquecer, meu D´s, como esquecer o gostinho da comida feita nas panelas pretas e enegrecidas de ferro?!?! Do feijão com sabor do peixe ou da carne defumada, alí mesmo, pendurada sobre o fogão a lenha! Da banana assada na chapa, do milho ainda com a palha verde, assado dirento no braseiro???!!! Do frango abatido poucas horas antes de servido, dos ovos com as gemas vermelhinhas, ovos as vezes brancos, vermelhos, verdes ou azuis! As vezes a galinha era meio artista plástica e botava um ovo com todas as cores juntas! Minha avó dizia que a galinha podia ter cruzado com algum macuco ou jaó do mato, por isso o ovo era de cor distinta. Galinha infiél era aquela que não respeitava o dono do terreiro, o Galo.
Me lembro deles, bravos, austeros, sérios, orgulhosos, com suas cristas charmosamente pendurada de um lado da cabeça, como um galã frances de filme antigo, mas armados com enormes e afiadas esporas, como um pistoleiro do antigo oeste. Pobre coitado que era casado com uma Galinha!
Como, me digam, como não chorar ao ouvir o som da guitarra, da gaita, da rabeca.
Em pensar que parte de tudo isso já desapareceu. É como se não houvesse existido jamais. Por outro lado é tão vivo e tão real aqui dentro do meu peito, no horizonte da minha memória, que até posso sentir os cheiros, ouvir os ruídos, quase tocá-los...
Mas a vida vai seguindo sua correntesa, forte, impiedosa, dura, devastadora. A vida não é estática. A vida sempre tem que dar lugar a vida. Muitos dos meus já se foram. Eu, com sorte estou no meio do caminho... mas com a forte sensação de que a curva já ficou pra trás. Não ví, não percebi, mas sinto que ela já passou. É que é uma curva tão grande, larga, que agente não costuma perceber.
E sigo assim caminhando para aquele lugar que todos nós conhecemos, sabemos... se bem que a maioria de nós recusa reconhecer e aceitar, mas ele é inevitável. Não acredite nessa sensação que você tem de que é eterno. Não é. Eu não sou. Eles não eram.
Não que eu me preocupe com a morte. Só fico triste porque com a minha morte tudo aquilo que conheci, que ví, que ouví, que tive o prazer de vivênciar vai morrer comigo. Em grande parte já não existe hoje, na realidade, e também vai deixar de existir na minha memória.
A dor de ter perdido tudo isso e de saber que vou perder tudo isso mais uma vez é insondável.
Saudades... palavra doce na boca, mas amarga quando desce, quando os olhos cerram, quando o silêncio bate, quando a memória canta...
Saudades...

O vídeo abaixo traz uma música, que toca tão fundo no meu coração que não podia deixar de pô-la aqui.


Cesar Passarinho - Guri




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